Fonte: AP
Herman Leonard conviveu com os grandes músicos do jazz do século XX.
Prêmio do Grammy garante arquivamento e digitalização de suas imagens.
Foto: Herman Leonard Photography/AP Foto: Herman Leonard Photography/AP
Foto de Leonard, de 1949, mostra Billie Holiday preparando um bife para seu cachorro Mister, no apartamento dela em Nova York. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Foto de Leonard, de 1949, mostra Billie Holiday preparando um bife para seu cachorro Mister, no apartamento dela em Nova York. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Uma mulher atendeu à porta vestindo roupas de casa e um avental.
“Primeiramente eu pensei, ‘está é a empregada’”, diz o fotógrafo Herman Leonard. “Ela disse, ‘me desculpe, mas eu tenho que alimentar o cachorro’. Ela tinha um bife fritando na panela, e estava preparando para o cachorro.”
A mulher era Billie Holiday, uma das maiores vozes do mundo moderno.
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A cena foi eternizada em filme por Leonard, agora aos 86 anos. Ele capturou os momentos mais estranhos e íntimos das vidas dos grandes músicos do jazz. Na segunda metade do século XX, documentou o período mais fértil da história do jazz – o museu Smithsonian tem mais de 130 fotografias tiradas por Leonard em sua coleção permanente.
Seus retratados vão de Louis Armstrong e Duke Ellington a Miles Davis e Dizzy Gillespie. Impressões de suas fotos são vendidas por até US 15 mil (quase R$ 30 mil).
Leonard também capturou momentos fugazes nas vidas daqueles de fora do mundo da música, de soldados norte-americanos cruzando uma ponte de campanha em Bruma durante Segunda Guerra Mundial até Marlon Brando tocando bongô em Paris. Ele tirou fotografias de Albert Einstein, Harry Truman, Clark Gable, Marta Graham. Por um tempo, Leonard trabalhou até para a revista "Playboy".
Mas foram suas imagens do jazz – obras-primas de realismo – que lhe renderam um prêmio de US$ 33 mil (R$ 64 mil) do Grammy, que ele agora está usando para arquivar e digitalizar as suas fotos. Leonard é o primeiro fotógrafo escolhido para a bolsa, cujos agraciados normalmente estão ligados à indústria musical.
Foto: Herman Leonard Photography/AP Foto: Herman Leonard Photography/AP
Miles Davis em 1991 em Montreaux, Suíça, onde o trompetista faria seu último concerto, seis semanas antes de morrer. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Miles Davis em 1991 em Montreaux, Suíça, onde o trompetista faria seu último concerto, seis semanas antes de morrer. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Leonard seguiu Davis por quatro décadas, do seu início como trompetista no final dos anos 40 até 1991 no festival de jazz de Montreaux, na Suíça – seu último show.
O trompetista era conhecido por “ser difícil”, diz Leonard. “Mas nos dávamos bem”. Durante o ensaio, Davis dispensou todos os fotógrafos de uma horda, exceto um – Leonard.
“Eu pude ver no seu rosto... ele sabia que estava morrendo”, lembra Leonard.
Aquelas últimas fotos de Davis “mostram ele carregando uma grande carga de angústia”. Ainda assim, “ela estava glorioso. A pele dele parecia veludo negro. Os ossos estavam bem definidos, e aqueles olhos em chamas estam tão intensos que para era muito fácil fotografá-lo para qualquer fotógrafo. Ele era muito lindo”.
O gênio do jazz morreu seis semanas depois.
Então, há um Armstrong suado e cansado, sentado na frente de garrafas abertas de vinho e champanhe em uma mesa dobrável durante uma pausa nas filmagens de “Paris blues”. Ele está secando seus lábios com um lenço branco, um cigarro acesso pendendo da sua outra mão.
Os retratos de bastidores são parte de uma vida de trabalho pelos quais Leonard foi honrado recentemente em Nova York com o prêmio Lucie na categoria de retratos. A lista de agraciados inclui nomes como Annie Leibovitz, Henri Cartier-Bresson e Cornell Capa.
“Eu nunca trabalhei na minha vida. Eu faço o que eu amo”, disse Leonard em uma entrevista na casa em Los Angeles que divide com a filha, genro e neta. “Eu fiz da minha paixão a minha profissão”.
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Imagem de 1948 mostra o saxofonista Dexter Gordon envoltou pela fumaça de seu cigarro no Royal Roost, em Nova York. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Imagem de 1948 mostra o saxofonista Dexter Gordon envoltou pela fumaça de seu cigarro no Royal Roost, em Nova York. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Ele se mudou para a Califórnia depois que o furacão Katrina destruiu sua casa em Nova Orleans, que ficava a poucas quadras de um dique que se rompeu e destriu 8 mil impressões de suas fotos. Mas 70 mil negativos foram salvos da correnteza nos cofres de um museu próximo.
Leonard descobriu a sua “assinatura” fotográfica por acidente, enquanto tentava registrar imagens em clubes noturnos escuros ao longo da rua 52 em Manhattan na década de 50.
“Criei a minha iluminação porque quando eu estava fotografando em clubes noturnos, a luz existente era insuficiente”, ele diz. Ele encontrou a solução usando duas luzes estroboscópicas – uma no teto próxima do spot direcionado ao microfone do músico, e a segunda atrás do artista, em algum lugar na platéia.
“Então eu me posicionava de um modo que se eu não conseguisse ver a luz de fundo, ela estava sendo bloqueada pelo músico”, explica. “Eu conseguia captar a atmosfera sem destruí-la.”
O resultado pode ser visto em retratos que dão ao fotografado uma aura brilhando, capturando ao mesmo tempo a enfumaçada intimidade dos antigos clubes de jazz.
Foto: Herman Leonard Photography/AP Foto: Herman Leonard Photography/AP
Duke Ellington toca piano no teatro Olympia, em Paris em 1958. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Duke Ellington toca piano no teatro Olympia, em Paris em 1958. (Foto: Herman Leonard Photography/AP)
Leonard já foi chamado de “o Charlie Parker da fotografia”. Mas quando lhe perguntam sobre qual músico gostaria de ser comparado, ele lembra de Gillespie.
“Dizzy conseguia tocar melodias sentimentais de alma e coração – e então podia se tornar completamente selvagem”, admira Leonard.
Leonard é fascinado por quase tudo que vê, de celebridades a folhas mortas cobrindo uma calçada ou um homem beijando uma mulher em uma rua de Paris. “Ele se curvou sobre o carro de costas para mim, e suas pernas estavam separadas e as pernas delas estavam juntas, entre as pernas dele – e era tudo que se podia ver”, lembra. “Esse é o tipo de imagem que me atrai, com um certo padrão ou composição.”
As imagens estavam em qualquer lugar por que passasse – vivendo na Europa por 35 anos, na ilha espanhola de Ibiza por oito anos e em São Francisco. Mas foi Nova Orleans que finalmente roubou seu coração.
“Havia um calor e uma receptividade lá, uma certa tolerância”, diz. “Você podia plantar bananeira no meio da rua, e seria somente parte da paisagem.”
Hoje, Leonard anda com sua equipe, formada por gente bem mais nova, por vezes fotografando noite adentro. Para se divertir, ele vai para clubes de jazz com amigos da indústria cinematográfica, longe daqueles “velhos xeretas”, diz ele, com uma risada.
Em setembro o Montreal International Jazz Festival vai lançar uma nova sala de exposições com um portfolio com fotografias de Leonard.
Ele também está trabalhando em um novo livro de imagens para ser publicado ainda em 2009. É a sequência de sua obra de 2006, “Jazz, giants and journeys”, com prefácio de Quincy Jones.
“Eu costumava a falar pros caras que Herman Leonard faz com sua câmera o que nós fazíamos com nossos instrumentos”, escreveu Jones. “A câmera de Leonard conta a verdade, e a faz balançar.”
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