Fonte: Estado de São Paulo
Fotógrafo andarilho de um planeta não revelado
Sebastião Salgado finaliza o ambicioso projeto Gênesis e fala da arte que tem como ofício.
Em entrevista para o jornal Estado de São Paulo, no último sábado, 12 de setembro, o "Tião" como é chamado pelos amigos, falou sobre o novo projeto "Genesis", patrocínio de projetos, manipulação digital e a entrada do seu acervo no mercado de arte. Confira abaixo alguns trechos da entrevista e a matéria na íntegra aqui!
Você tem dito que o Gênesis é seu último grande projeto fotográfico. Por que estabelecer o limite?
Digo que é o último projeto desse porte. Falo de projeto que leva anos para se concretizar, com viagens às vezes muito duras, desafios como o de andar 850 quilômetros até chegar a um determinado ponto. É preciso estar muito motivado e ter enorme disposição para encarar tudo isso. Não que eu vá parar de fotografar, mas encarar projetos nessa escala já pesa na minha idade. Tento me manter em forma, faço ginástica todos os dias, cruzo Paris de bicicleta, só que chega aquela hora em que o joelho começa a não querer obedecer. Como também vai chegar a hora em que vou preferir editar o meu material, talvez esse seja o trabalho mais importante que eu tenha pela frente. Sempre trabalhei muito, produzi um volume incrível de imagens. Tenho mais de 500 mil cópias de leitura, fora a imensidão de negativos que ainda não mexi. E uma imensidão de fotos paralelas.
Como assim?
Por exemplo, Lélia e eu começamos a editar nossas fotografias de família, material feito ao longo das nossas vidas, com nossos meninos crescendo. Então, penso um dia trabalhar no meu acervo, considerando que a idade vem chegando, que eu posso vir a me repetir e que os novos fotógrafos estão aí, vamos deixar lugar para eles. Tenho pensado nisso tudo. Inclusive na pertinência dos meus trabalhos. Falo de pertinência histórica, ideológica, pessoal. Hoje só faço aquilo com o qual tenho profunda identificação.
Como você mesmo diz, cresce o número dos seus colecionadores. Sebastião Salgado virou um clássico?
Estou me tornando. No Gênesis, pela primeira vez na vida admiti fazer fotografias com número limitado de reproduções. Porque sempre fotografei pessoas em suas situações de vida, jamais tive qualquer problema com direitos de uso de imagem e sempre distribuí minhas fotos em séries ilimitadas, o que reduz muito o preço delas. Agora quero lidar com número limitado de cópias, reproduções feitas em papel platinum, caras, porém maravilhosas. Creio que esse trabalho merece. Já fizemos algumas cópias e, no futuro, pretendemos lançar as séries limitadas. Aí, sim, será a estreia no mercado de arte.
Como é que você ‘ataca’ a cena? Porque as variáveis também são externas: por exemplo, nuvens dançam no céu. As patas dos animais movem-se pelas matas.
São tempos internos distintos. Dou como exemplo a foto que fiz da mão da iguana. Eu vi aquela pata, que é uma mão na verdade, com cinco dedos e tudo. E quis fotografá-la, mas teria de ser com uma lente macro, bem de perto, para captar o detalhe. A iguana como que autorizou a foto, porque, normalmente, é bicho que não aceita aproximação a menos de 2 metros. Tive que ir me chegando, de joelhos, com delicadeza: ela me observava, eu a observava; eu avançava um pouco mais, ela sabia que alguma coisa estranha iria acontecer, mas aceitava; daí finalmente fiquei bem perto daquela mão e fiz a foto. Aí fui recuando, rastejando para trás, bem devagar. E ela me observava. Quando uma foto como esta é finalmente feita, o cansaço que bate é total. Porque, ali, o fotógrafo sabe que tem a possibilidade de fazer uma fotografia incrível, mas, numa fração de segundos, poderá perdê-la. Ou não. São extenuantes essas situações.
E a manipulação de imagem, hoje tão mais fácil, tão mais imperceptível e tão mais incontrolável no mundo digital? Isso é um pesadelo para você?
Mais ou menos grosseiras, manipulações de imagem sempre existiram, por que vou me preocupar com isso? A verdade do fotógrafo é aquela fração de segundo. Se fizerem manipulação sobre isso, então não estaremos mais falando de fotografia. Daí nem me compete opinar.
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