O Nascer das Ruas e Pontes de São Paulo. Antes de se tornar uma megalópole, a capital paulistana tinha ares provincianos. Porém, muitos dos problemas atuais já despontavam
Foto: Divulgação
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Livro inclui fotografias de nomes importantes da época, como Militão Augusto de Azevedo, e anônimos que fizeram registros precisos e marcantes. A coordenação da obra é de Carlos Augusto Calil, secretário de cultura da cidade de São Paulo.
A São Paulo ainda pacata do século 19 e a transformadora travessia até as primeiras décadas do século 20, pelo olhar dos mais ilustres fotógrafos da época e por alguns retratistas menos conhecidos que deixaram registros precisos e marcantes. Para quem gosta de fotografia, de história ou de São Paulo, a boa notícia é que “Memória Paulistana”, catálogo da importante mostra realizada em 1975 pelo Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, acaba de ser reeditado pela Imprensa Oficial. O lançamento será dia 25 de janeiro, às 16 horas, durante a reabertura da Biblioteca Mario de Andrade, à Rua da Consolação, número 24.
A exposição marcou em 1975 a inauguração daquela que seria a nova sede do MIS na avenida Europa, 158, e foi concebida por seu diretor, Rudá de Andrade. Para concretizar o projeto, um time de pesquisadores de primeira linha foi coordenado por Carlos Augusto Calil: Ilka Brunhilde Laurito, poeta e pesquisadora, Alcides Villaça, poeta e professor, Carlos Roberto de Souza, cineasta e pesquisador de cinema, e Luís Cruz, músico e arquiteto. Dois profissionais de comprovada experiência cuidaram das reproduções fotográficas: Carlos Antonio Moreira e Washington Racy.
“O prazo era curto e a tarefa gigantesca”, lembra Calil, mas o resultado é impecável, como se pode conferir. A pesquisa incluiu não só a parte iconográfica, como também seleção de textos de época, que acompanham as imagens. As fotos que, em primeiro lugar, definem a cidade e seus habitantes são obra de Militão Augusto de Azevedo, o primeiro grande fotógrafo conhecido de São Paulo. Em seguida, surgem os registros de Valério Vieira, tão importante, à sua maneira, quanto o próprio Militão. Suas imagens em poses e cenários de estúdio fazem lembrar a atmosfera francesa.
Após uma sequência que mostra jardins, parques e ruas nos primeiros anos do século 20, aparecem os habitantes da cidade em sua vida familiar, fotografados por Luís Gonzaga de Azevedo, filho de Militão e fotógrafo amador, mas cujo talento na captação da atmosfera doméstica revela uma sensibilidade profunda.
A cidade começa a modificar-se e crescer: a parte dedicada à revista A Cigarra demonstra algumas atividades: o carnaval, os crimes, as jazz-bands, a professora de música Mary Buarque, as novas formas de propaganda (“As pessoas que conhecem as Pílulas do Doutor Dehaut de Paris não hesitam em purgar-se quando têm precisão”), concursos de 33 horas de dança, ou da moça mais culta da cidade. O esporte é um dos passatempos para os imigrantes que se fixam na área urbana: as regatas no Tietê, piqueniques na Freguesia da Penha, o Clube Canottieri Esperia. O tênis e o futebol são mais aristocráticos, e portanto inicialmente praticados com dedicação no Club Athletico Paulistano, abrigo da juventude esportiva oriunda das tradicionais famílias paulistanas.
A pesquisa realizada nos arquivos da então Secretaria da Agricultura, da Diretoria de Terras, Colonização e Imigração forneceu ao projeto uma seção fotográfica na qual se sucedem retratos de imigrantes italianos, espanhóis, letões e portugueses que, atraídos pela propaganda no exterior, vinham cultivar as fazendas paulistas de café.
Na delicada empreitada de vasculhar arquivos e descobrir olhares que não podiam ser perdidos, houve ótimas surpresas. “Com os registros de Militão, vieram as fotografias inesperadas e inéditas de seu filho Luís Gonzaga. Amador, mas não menos habilitado tecnicamente, deixou um legado raro de registro do ambiente privado e afetivo. Com Valério e suas proezas fotográficas, chegou-nos às mãos as partituras de tanguinhos e maxixes de seu filho Roque. A colaboração familiar era generosa, visava apenas ao reconhecimento público do antepassado ilustre. Nessa época os acervos fotográficos eram subestimados tanto do ponto de vista da documentação histórica, quanto do seu valor como obra de arte”, explica Calil.
À medida que nos aproximávamos do contemporâneo, a percepção do trabalho do fotógrafo sofria radical transformação, explica o organizador. De artesão, ou técnico hábil, para artista: o fotógrafo como autor de obra expressiva, reconhecida no mesmo plano que um pintor ou escritor. “Nesse sentido, a descoberta então recente de Hildegard Rosenthal, que em Frankfurt havia frequentado o estúdio de Paul Wolff, o patrono da câmera Leica, e fora testemunha involuntária do movimento da cidade que consolidava sua vocação de metrópole, foi-nos de grande valia. Ela ensejava um fecho moderno ao nosso panorama”, acrescenta.
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