Sem titulo, da série Crimes Noturnos 1997- Alberto Bitar
O olhar de Alberto Bitar há duas décadas documenta o transitório. Impregnadas de nostalgia e alguma tristeza, as imagens recolhidas pelo fotógrafo paraense são metonímias: partes da memória afetiva do artista, mesmo quando miram terrenos tortuosos. Sob o título de “Corte Seco”, seu mais recente trabalho vasculha o lirismo improvável das cenas de crimes urbanos. “O fluxo, do tempo, da vida, da memória é o que une o meu trabalho. O que permeia todo ele é uma questão existencial: a impermanência”, diz Bitar, convidado da 30° Bienal das Artes de São Paulo. Numa retrospectiva de sua produção, o fotógrafo expõe obras premiadas e duas séries inéditas no Parque Ibirapuera, de 7 de setembro a 9 de dezembro.
Composta por 33 fotografias e quatro vídeos, a mostra alinhava obras desde “Solitude” (1992), primeira série do artista, e segue com “Hecate” (1995/1997), “Passageiro” (1997/2001), trabalhos em preto e branco permeados por uma atmosfera solitária e noturna, com silhuetas de personagens desfocados que deixam marcados na fotografia o movimento de sua passagem – pegada essa também imprimida em “Ausência” (2003/2004), retratos míopes de transeuntes anônimos.
Caminhante de um labirinto particular, Alberto Bitar perambula em sua própria imensidão interior. Foi num antigo álbum de fotografia da avó materna onde o artista encontrou um retrato de meados dos anos 30: um grupo reunido em uma estação de trem na cidade do Rio de Janeiro. A imagem originou o vídeo “Partida” (2005), feito em homenagem à mãe, falecida em 2001, e à filha, nascida em 2002. O tempo implacável que impõe suas marcas acendeu também faíscas no retrato, dissipando do registro a identidade de algumas pessoas. “O que mais me chamou atenção na foto foi uma espécie de fog que determina o apagamento das pessoas que ficaram para trás do grupo fotografado. É como se o tempo/espaço determinassem a retenção ou perda da memória e, nesse caso, a imagem é a memória”, diz o artista a respeito de seu trabalho de maior visibilidade. O vídeo participou de exposições no Brasil e no exterior, e integra o acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Itaú Cultural. “A fotografia é por natureza porosa e pode entrar e sair de outras linguagens com desenvoltura. A obra do Alberto Bitar é uma prova disso. A belíssima, coesa e longa pesquisa dele esgarça os limites entre o estático e o movimento nos levando a um tempo distinto de percepção das imagens”, analisa Eder Chiodetto, fotógrafo e jornalista, consultor do Itaú Cultural.
A imprecisão, desta vez o inexato que acomete a memória mais longínqua, se infiltra nas fotografias de “Efêmera Paisagem” (2007/2011). Capturadas de dentro do carro em movimento, durante viagens de Bitar ao interior do Pará, as imagens evocam lembranças infantis. “Lembro, quando ainda criança, das viagens que fazia com a família. Tenho a lembrança de ficar a maior parte da viagem observando a paisagem que ‘passava’; a faixa branca tracejada que parecia contínua e as pessoas e bicicletas que passavam à margem da estrada e pareciam borrões”, descreve Alberto na sua tentativa de restaurar o tempo vivido. Como pinceladas, a captura do fluxo do tempo pela baixa velocidade do obturador imprime às películas um vulto ficcional, metáfora poética do aporte da imaginação daquelas memórias de menino.
A série, que teve obras selecionadas para a coleção MASP/Pirelli de 2010, é um desdobramento do vídeo homônimo, que também integra a exposição, assim como “Horizonte Artificial e um certo azul profundo”, filme que remete aos tempos em que Alberto acompanhava o pai, piloto, em sobrevoos pela Amazônia. “Ele mudava de assento comigo, me deixando sentar no lugar de comando. As minhas mãos suavam; olhava para os lados, para as pontas das asas, tentando imaginar se estava nivelado, aprumado. Até que meu pai, percebendo minha preocupação, me mostrou um instrumento no painel de controle que me dava essa orientação. Seu nome: horizonte artificial”, relata Bitar.
A série inédita “Completude” é sequência de “Sobre o Vazio” (2009/2010), trabalho fomentado pela despedida: Bitar excursiona pelo apartamento onde viveu com a família por mais de 25 anos. O imóvel será vendido e o fotógrafo registra sua última visão do lugar, agora inabitado. Integra ainda o trabalho o vídeo “Sobre distâncias e incômodos e alguma tristeza”. “O abandono de um lugar que guarda o gosto e a memória de pessoas que já não estão presentes – saíram da cena antes. Que atores virão?”, especula o autor.
Sobre o artista
Alberto Bitar nasceu em Belém, em 1970, e é formado em Administração pela Universidade da Amazônia (Unama). Em 1991, começou a fotografar por meio das oficinas da Associação Fotoativa. Atualmente, é editor de fotografia do jornal Diário do Pará, gerente técnico de artes visuais do Instituto de Artes do Pará (IAP) e colaborador da Agência Kamara-Kó Fotografias.
Participou de diversas coletivas, como Antarctica Artes com a Folha (SP, 1996), Veracidade (MAM-SP, 2006), Trilhas do Desejo (Rumos Artes Visuais do Itaú Cultural, São Paulo, 2009) e Panorama da Arte Brasileira (MAM-SP, 2011). Entre suas exposições individuais, estão Passageiro (Galerias de Fotografia FNAC, Brasília, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, 2005), Efêmera Paisagem (Belém, 2009 e Centro Maria Antônia, SP, 2011) e Sobre o Vazio (Associação Fotoativa, Belém, 2010). Possui trabalhos nos acervos da Coleção Pirelli / MASP, dos Museus de Arte Moderna de São Paulo e da Bahia, da Fundação Biblioteca Nacional e do Sistema Integrado de Museus (SIM-PA). Recebeu premiações em seis edições do Arte Pará, além dos prêmios Funarte Marc Ferrez de Fotografia (2010) e Festival Cinema e Cidade (2008), entre outros.
SERVIÇO: Exposição do fotógrafo paraense Alberto Bitar na 30° Bienal das Artes de São Paulo, de 7 de setembro a 9 de dezembro, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera. Contatos para entrevista: (91) 8226-4886 (Gil Sóter – Assessoria de Comunicação). Email: gisoter@gmail.com.
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