Por: Yuri Bittar
A fotografia, mais do que nunca, tem presença marcante em diversos projetos. Não nos referimos a projetos propriamente fotográficos, mas sim aos acadêmicos, artísticos, profissionais ou outros, que se utilizam da fotografia de alguma forma, não como um fim, mas como um meio.
O que pretendemos fazer neste artigo é mapear um pouco do que tem sido feito nesse sentido e sugerir alguns passos interessantes que podemos dar para melhorar o seu projeto. Mas é preciso deixar bem claro que a fotografia vem sendo usada de inúmeras formas e vamos apenas mencionar algumas delas.
Iremos tratar aqui da fotografia autoral, ou seja, da realizada pelo próprio pesquisador para ser utilizada em seu projeto, a fim de ilustrar, compor, aplicar em aula ou com sujeitos de uma pesquisa; mas sempre clicada pelo próprio pesquisador autor do projeto, e neste sentido, não estamos falando da utilização de imagens de terceiros.
Fotografia como ilustração
A fotografia é usada para ilustrar projetos, praticamente desde que se tornou uma técnica comercial e acessível. Em estudos de psicologia, por exemplo, já se usa a fotografia desde 1890, sendo que, atualmente, seu uso é intenso. Porém, na maior parte dos projetos, cabe à fotografia ilustrar ou mesmo registrar etapas de uma pesquisa.
Na fotografia abaixo, por exemplo, a função da imagem é registrar um procedimento em detalhes, complementando, assim, o registro por escrito e ilustrando a comprovação dos resultados.
Era digital
O uso da fotografia no meio acadêmico é crescente, provavelmente devido à popularização de câmeras digitais, computadores e acesso à internet e também pela própria evolução das pesquisas, que pedem mais detalhes e acabamentos cada vez mais elaborados.
No entanto, a fotografia em si, tem sido usada com pouca consciência fotográfica, pouca reflexão e consciência teórica a respeito do que significa uma imagem dentro de um trabalho. Vale considerar que a fotografia pode ser usada como ilustração como, por exemplo, na foto abaixo:
Ou até para revelar uma visão diferente de um laboratório:
Mas também pode ser utilizada de formas mais estruturais.
Ter objetivos
A fotografia pode ser utilizada não apenas para complementar, mas também, para integrar o seu projeto. A fotografia utilizada de forma periférica é uma prática já enraizada nos meios acadêmicos e vem ganhando espaço, cada vez mais. Porém, a fotografia usada de forma mais consciente e profunda, ainda parece ser um campo pouco explorado.
O que propomos é o uso da imagem como elemento consciente, como parte integrante de um projeto e como etapa da pesquisa. Claramente, há aspectos da realidade melhor exprimidos por uma fotografia, pois a fotografia também pode causar efeitos interessantes e profundos sobre pessoas.
Além disso, a fotografia traz em si algo de seu autor, de sua visão, assim, pode-se colocar em uma pesquisa algo mais pessoal e original. É muito desejável que em um trabalho acadêmico o pesquisador assuma seu lado humano e mostre seu olhar sobre seu objeto de estudo. A fotografia abaixo, por exemplo, foi realizada no centro de São Paulo, sem objetivo inicial específico, no entanto, passou a integrar o projeto de um curso sobre humanização em saúde, considerando que os moradores de rua são tema importante para a área da saúde. O objetivo de utilizar essa fotografia em aula é sensibilizar os alunos e criar condições para que o tema sobre a vida nas ruas surja nas discussões em sala de aula.
Fotografia como estrutura de um projeto
A fotografia pode ser utilizada ainda como estrutura básica de um projeto, ou seja, como principal instrumento de pesquisa e de apresentação desta posteriormente. Essa é a utilização mais intensa da fotografia em uma pesquisa.
Por exemplo, o livro Escrituras da Imagem contém trabalhos fotográficos interessantes de vários autores. Numa resenha sobre este livro, a respeito do capítulo A aranha vive daquilo que tece, Suzana Barretto Ribeiro diz: “sobre o cotidiano das artesãs do Jequitinhonha percebe-se claramente a influência dos trabalhos de Mead e Bateson, o envolvimento da pesquisadora/fotógrafa com o assunto e o fascínio exercido pela cultura local. Com o olhar atento para registrar a essência e inventariar espaços e tradições com singeleza, permite uma aproximação que contribui para entender a comunidade. A fotografia torna-se instrumento de uma consciência e testemunha do sentimento essencialmente afetivo que compartilha com o grupo.”
Fotografia como módulo de um projeto
A fotografia pode ser toda uma etapa de um projeto. Como parte de um curso por exemplo. Como a fotografia tem um enorme potencial de empatia, ou seja, de fazer com que quem a vê seja tocado, afetado e passe a refletir sobre determinado assunto, se bem escolhida, pode ser uma ótima opção para educadores prenderem a atenção de alunos. Mas para isso é preciso que, além de ser uma imagem “bonita” e ter relação com o tema, a fotografia deve ainda permitir que o observador identifique-se com ela. Ou seja, uma fotografia bela chama a nossa atenção, mas uma fotografia, para prender a nossa atenção, tem que ter algo interessante. Para Barthes (1984, p.36) a fotografia como experiência só existe quando nos leva a uma aventura. É a fotografia que nos anima, que deixa de ser um simples objeto. Mas como? Algumas fotos nos chamam a atenção, nos causam interesse, mas apenas isso. Porém em algumas fotos há algo que nos afeta”, para Barthes é o Punctum, “esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere)”, ou seja, nos causa uma alteração, uma ferida, que tem que ser tratada, ou melhor, resolvida. A fotografia tem esse potencial de iniciar uma experiência mais sólida, que exige reflexão.
Num projeto para uma aula sobre Humanização em Saúde, que seria dada para alunos de pós-graduação, foi utilizada a imagem abaixo, que poderia suscitar o tema da desumanização em laboratórios e ao mesmo tempo poderia parecer muito familiar para diversos alunos presentes. Por quê?
Um projeto muito interessante é o Fotografite. Trata-se de um projeto sócio-cultural que tem por objetivo acolher crianças e adolescentes em situação de risco social. Utilizando fotografia e grafite, o grafiteiro Alê Anjo e a fotógrafa Stela Murgel pretendem ajudar jovens a mudar sua situação e também mostrar o problema para a sociedade. "O trabalho consiste em usar sprays, canetões, tinta e pincéis para grafitar as fotos em preto e branco ampliadas. Além do resultado estético, a fotografite é uma arte engajada. Seus precursorres querem chamar a atenção para um problema social. É uma forma de alertar a sociedade para a ajuda que precisam essas crianças, que praticamente vivem na lata do lixo de São Paulo. Meu trabalho com Stela é virar essa lata de lixo em cima da sociedade”, avisa o grafiteiro. Já Stela queria mostrar a realidade sem ser agressiva: “Não consigo fazer fotos de um menino de rua usando drogas. O olhar, a forma de vestir diz mais do que a foto dele usando crack”, diz Stela". Veja mais sobre este projeto aqui.
Projetos de fotografia que vão além da fotografia
Alguns projetos podem ainda ter a fotografia como ponto de partida para outros objetivos. No projeto Fotografando pela vida, por exemplo, fotógrafos foram convidados a fotografar e doar sangue no mesmo dia, como uma forma de incentivar a prática fotográfica e também a cidadania.
Concluindo, mas não encerrando
O tema não se esgota facilmente (aceitamos sugestões!). Mas em linhas gerais o que sugerimos é que o pesquisador, o acadêmico, o professor, enfim, o indivíduo que cria projetos e pretende utilizar a fotografia, passe a fazê-lo de forma mais consciente e crítica e, mais ainda, valorize a fotografia autoral!
Referência bibliográficas:
Barthes, Roland, A câmara clara: notas sobre a fotografia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984
0 comentários:
Postar um comentário