Fonte: BBC
"Berrante." Pieter Hugo enumera uma série de adjetivos, passando por kitsch e histérico, até encontrar a palavra que melhor descreve sua fotografia. Mas um só termo, nesse caso, vale pouco.
Difícil classificar a imagem de um homem com lágrimas de sangue empunhando as vísceras de um boi ou uma espécie de guerreiro que doma uma hiena amordaçada, retratos de duas de suas séries.
Hugo, artista sul-africano que está no Paraty em Foco, festival que começa hoje no litoral fluminense, flagra uma África absurda em suas imagens, uma realidade que parece roçar o fantástico.
"Estou mais interessado em causar uma experiência, não mostrar uma lista de verdades", diz Hugo à Folha. "Parece exótico, mas essa é uma realidade que mistura fato e ficção, algo extremado ou mais um futuro possível."
Futuro, aliás, é o tema guarda-chuva que baliza as discussões desta edição do festival. Não por acaso, um africano foi escalado como artista central, vindo de um continente que não aderiu à onda vintage para tentar descartar um passado doloroso.
Hugo retrata artistas de rua e suas hienas de estimação, atores de Nollywood (a indústria cinematográfica mambembe da Nigéria) e catadores de um aterro de lixo eletrônico na capital de Gana.
Nessa última série, nada mais futurista que crianças garimpando o cobre bruto de velhos discos rígidos, a memória alheia amontoada, para voltar, na África, a ser matéria-prima de subsistência.
Mesmo que tudo seja real, uma carga teatral adensa a imagem. Não denuncia, mas estetiza a miséria e o contraste em fotos que rompem de forma radical com a tradição.
"Ele transgride algumas fronteiras", diz Iatã Cannabrava, diretor do Paraty em Foco, sobre o trabalho de Hugo. "A África é um continente esquecido, abandonado e, de repente, constrói um modelo de fotografia muito mais próximo de um futuro real."
Das estranhezas desses países em transformação, Hugo cria uma "extensão da realidade" e mostra personagens em transe, que ensaiam para enfrentar novos tempos.
"Existe um elemento de performance no trabalho", diz Hugo. "Mas isso é porque olho para os fotografados e eles olham de volta, tento inventar um olhar engajado."
PARATY EM FOCO
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