Fonte: Fernanda Mena
Folha de São Paulo - Especial NY
Cecilia Dean com a 61º edição da "Visionaire", que se tornou a maior revista do mundo
Foto: Henrique Gendre/Folhapress
Foto: Henrique Gendre/Folhapress
No número 243 da Centre Street, no Soho, em Nova York, um letreiro ao lado da campainha adverte: aperte apenas se tiver hora marcada. São oito e meia da manhã de uma sexta-feira e este é o endereço escolhido por Cecilia Dean, a todo-poderosa criadora da revista nova-iorquina de moda e de arte "Visionaire", para seu encontro com a Serafina.
A porta de entrada esconde uma oficina-laboratório em que protótipos de naves espaciais e roupas de astronauta dividem espaço com ferramentas, soldas e engenhocas marcadas com logotipos falsos de grifes de luxo como Chanel e Hermès.
O cenário eleito para o encontro (o estúdio do artista plástico Tom Sachs, que integra a mostra "Em Nome dos Artistas", atualmente em cartaz na Bienal de São Paulo, com obras que reconstroem ícones do consumo com materiais improvisados) é tão inesperado quanto o pedido feito por Cecilia na última troca de e-mails: "Seja pontual e traga um par de tênis".
Considerada uma das mulheres mais elegantes do universo fashion, a ex-modelo de origem filipina sempre se veste com roupas de estilistas, mas surpreende no figurino. Está de legging preta e camiseta. Afinal, o fator-surpresa sempre foi a matéria-prima da "Visionaire".
Fundada em 1991 por Cecília e seus amigos Stephen Gan (ex-"Details") e James Kaliardos, que pretendiam abrir espaço para trabalhos pessoais de artistas, a revista alcançou o status de arte, com produção artesanal, formatos múltiplos e tiragens muito limitadas.
Seus números já tiveram como curadores ou colaboradores nomes como David Bowie, a fotógrafa Nan Goldin, o designer Philippe Starck, o cartunista Robert Crumb, o ator James Franco e cineasta chinês Wong Kar-Wai.
Inovou o conceito de publicação ao subverter seu formato: numa das edições, o papel foi substituído por um conjunto de discos de vinil, em outra, uma caixa trazia imagens e perfumes customizados correspondentes.
Na manhã da entrevista, a surpresa que a editora da "Visionaire" havia preparado incluía usar roupas que imitavam uniformes da Nasa e tomar parte em um grupo de 15 pessoas para executar uma série de exercícios esdrúxulos sob o comando de Sachs.
Flexões de braço feitas sobre skates e agachamentos com bolas de peso --que contorceram a inabalável expressão de esfinge de Cecília-- integram o projeto "Space Program Work Out". O treinamento para uma viagem fictícia a Marte dará origem a uma exposição no ano que vem e foi transformado em fotonovela nas páginas do novo número da "Visionaire". O número novo será intitulado "Larger than Life" (maior que a vida, em tradução livre).
"Este conceito [larger than live] estava na nossa lista havia anos, mas era muito caro produzi-lo", explica Cecilia.
Há alguns anos, a revista subverteu a ideia de independência e cedeu a um modelo de patrocínio: no lugar de anúncios, há uma única menção de uma empresa no editorial.
Todas as marcas que podem querem tirar uma casquinha da aura cool de Cecilia.
De Louis Vuitton a Gap. Dos carros Smart à agência brasileira Africa Global, que bancou a edição "maior do que a vida". O próximo número, programado para o ano que vem, terá o Brasil como tema e o segundo patrocinador brasileiro nos 20 anos de história da revista: o shopping Iguatemi.
É tempo de vacas gordas para uma revista que surgiu durante uma recessão e busca dinheiro fora de um dos epicentros da atual crise econômica. "Uma recessão não quer dizer absolutamente nada se você não tem dinheiro, como quando surgimos. Hoje, é diferente."
"Visionaire - Larger than Life" traz Lady Gaga na capa, vestida com uma roupa de sereia que parece feita de óleo. Será lançada em São Paulo no dia 9 de novembro e tem proporções ousadas: dois metros de altura por um metro e meio de largura. Cecilia diz que vem para o lançamento.
A tiragem de 250 exemplares gigantes custou "centenas de milhares de dólares".
O número 61 da "Visionaire" sai do forno com um selo Guinness. É a maior revista já produzida no mundo.
Gráficas da Europa e da Ásia recusaram o trabalho. Foi uma empresa do estado de Wisconsin, nos EUA, que topou o projeto, mas queria vetar uma das imagens: o nu de um casal de idosos clicado por Mario Sorrentino. "Disseram que era pornografia. O miolo dos EUA é muito conservador", desdenha ela. Além disso, os arquivos de foto de muitos gigabites quebraram alguns dos computadores por onde passaram na redação.
MUNDOS PARALELOS
"É importante ser naïve. Preciso ser idealista e sonhar com um conceito selvagem antes de descobrir como chegar lá. Se fizesse o caminho contrário, desistiria", explica.
Após os exercícios de Sachs, já de banho tomado, Cecilia ressurge como a vemos nas fotos de revistas e de blogs: camisa da marca Yohji Yamamoto, calça e sapatos de Martin Margiela e bolsa Givenchy. Tudo preto, da cabeça aos pés.
"Importante, para mim, é o conforto e a possibilidade de criar personas diferentes. A moda é uma ferramenta, uma arma ou um arsenal para enfrentarmos a guerra da vida."
Aos 42 anos, Cecilia vive uma batalha entre duas personalidades. A garota tímida que queria ser veterinária, mas virou modelo. A jovem que se formou em literatura francesa, mas criou uma revista sem texto. O ícone de um mercado que prega o consumo e o descarte, mas que recicla lixo, cria galinhas e abelhas e é voluntária em uma cooperativa agrícola.
"Sou uma pessoa na revista e outra em casa. Isso me incomoda, mas não tem como aproximar os dois lados. Eles vivem em mundos paralelos."
No QG da "Visionaire", a poucos quarteirões do estúdio de Sachs, ela exibe a nova e gigante edição: uma sucessão de imagens criadas por artistas como Marina Abramovic, Doug Aitken e Maurizio Cattelan em escala tamanha que parece ser possível fazer parte da cenas impressas no papel.
Sozinha, fica difícil virar as páginas da revista gigante, numa experiência que remete ao universo fantástico de "Alice no País das Maravilhas".
Na porta da editora, Cecília se despede e conta que, depois de uma semana inteira de trabalho em nome do luxo, vai passar parte de seu domingo no parque Zucconi, ao sul de Manhattan, onde nasce e cresce desde setembro o movimento anticapitalista "Ocupe Wall Street".
Ser rebelde nunca esteve tão na moda.
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